Rádio Reverberação

quarta-feira, 21 de março de 2012

História: Ordem republicana e instituições políticas


Brasão de Armas do Brasil


Edgard Carone em seu clássico “A República Velha: instituições e classes sociais” propõe que uma das fragilidades do Império brasileiro fora o fato de não ter sido constituída uma nobreza hereditária. Não havia um elo de ligação mais forte entre a nobreza e a Casa Imperial, o que possibilitou, segundo o autor, uma grande adesão ao regime republicano já logo após a sua implementação em 15 de novembro de 1889. A República para muitos era inevitável, e gradualmente mais adeptos foram se filiando a nova forma de governo. A Ordem Republicana aos poucos era instituída (CARONE: 1978, 379-80).

Esta Ordem, porém, não se deu de forma tão ordenada. É muito recorrente na historiografia brasileira hoje o resgate da crônica de Aristides Lobo, publicada pelo Diário Popular no dia 18 de novembro de 1889, no qual se encontra registrada a célebre passagem “o povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava”. O povo do Rio de Janeiro estava assistindo a uma revolução, a instauração de um novo regime por acidente, aceitando um movimento que, para Rui Barbosa, não era seu e não tinha sido elaborada por ele [o povo]; era um acontecimento lamentável, para José Maria dos Santos (SILVA: 2005, 67-68). Em grande medida, não era um regime popular, no ambíguo sentido da palavra.

Uma vez destituída a Monarquia, precisava-se definir o paradigma republicano a ser adotado. José Murilo de Carvalho aponta que esse era um problema, pensado pelos intelectuais republicanos da época, que fora enfrentado de uma maneira diversificada. O autor de uma maneira esquemática, recorrente na historiografia sobre a primeira república, apresenta três tipos de manifestações republicanas que podiam ser identificadas naquele momento: o liberalismo, o jacobinismo e o positivismo (CARVALHO: 1998, 92-96).

Proclamação da República, 1893, óleo sobre tela de Benedito Calixto (1853-1927).
Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo

A primeira posição, segundo o autor, era encabeçada pelos grandes proprietários de terra de São Paulo, que desde os primeiros anos da década de 1870 já se encontravam com o Partido Republicano organizado. A centralização monárquica já não dialogava com os interesses desse grupo, e o republicanismo de ordem federativa estadunidense era o ideal a ser seguido. José Murilo diz que nos finais do oitocentos o darwinismo social era a postura liberal mais comum no país, influenciando muitos, entre os quais o republicano paulista Alberto Sales pode ser identificado.

Sales, em 1887, afirmava que o país passava por um momento de turbulência política, e os comandantes do Brasil, principalmente os do Partido Republicano, deviam se posicionar frente às questões que envolviam a ordem nacional. O progresso social, para ele, manifesta-se por via de desagregações e agregações correlativas, assim como um progresso biológico. No entanto, esse processo na fisiologia é observado de maneira clara e homogênea, enquanto no desenvolvimento social ocorre de maneira mais obscura. A nacionalidade, em sua Teoria da Nacionalidade (SALES: 1983, 86-99), é uma construção política consciente, elaborada a partir de uma evolução de elementos sociais, culturais, etnológicos, geográficos e políticos, que permitem, que um conjunto e indivíduos, formando uma sociedade específica, unindo esses e outros elementos possam formar uma unidade psicológica e politicamente estruturada, estabelecendo, assim, o nacionalismo.

O federalismo norte-americano foi o modelo vencedor na primeira Constituição republicana, em 1891. José Murilo de Carvalho discorre em seu pensamento uma leitura em que mostra o federalismo democrático estadunidense como sendo uma instituição perfeita constituída em uma sociedade igualitária, e que o Brasil intensificava a questão da desigualdade sócio-política, e o darwinismo republicano brasileiro possibilitava a implantação do autoritarismo no Brasil (CARVALHO: 1998, 93)


O Clube Jacobino, 1893.

A segunda posição republicana perceptível nos primeiros anos do regime foi o jacobinismo. Este modelo era o mais radical dentre os três apresentados aqui. Há nesse grupo uma forte crítica ao passado Imperial brasileiro, argumentando que o fator preponderante para o atraso do Brasil frente ao resto do ocidente era a própria Monarquia. O xenofobismo também era uma marca do jacobinismo, principalmente no que se diz a respeito à figura do português. A república deveria ser construída, organizada e controlada por brasileiros e a Nação era a Nação de brasileiros. Ala de extrema radicalidade, que via no centenário da Revolução Francesa o momento perfeito para se efetivar a Revolução Brasileira.

O jacobinismo, lembra Amanda Muzzi Gomes, teve seu período de maior “ação”, ou pelo menos o Clube dos Jacobinos, durante o governo do marechal Floriano Peixoto (GOMES: 2008, 3). Convencionalmente a historiografia associa o movimento ao florianismo, que se diz da grande simpatia ao governo do segundo presidente do Brasil. Em lutas legalistas com a utilização de forças armadas, os jacobinos inflamados como patriotas, inspirados nos revolucionários franceses, defensores de uma ordem, uniam-se em favor de Floriano para combater os contrários ao seu governo. Exemplo disso é a revolta da Armada, em 1893, que tinha como líder o almirante Custódio José de Melo, que segundo Boris Fausto, frustrado em seu objetivo de suceder Floriano na presidência da República arma um levante contra o governo, e os jacobinos se voluntariavam em defesa do presidente (FAUSTO: 2006, 255). O grupo ainda se mantém nos primeiros anos do século XX, sendo considerados “desordeiros”, sobretudo durante a Revolta da Vacina, em 1904.

A terceira e última posição era a positivista. A República era de face positivista por excelência, que deveria ascender em detrimento da Monarquia, tendo como resultado o progresso, impossibilitado pelo Estado imperial. Outras duas e importantes idéias positivistas eram a secularização do Estado e a implementação da ditadura republicana. Paradoxalmente, e destacado por Carvalho, os militares foram os mais simpáticos ao positivismo, mesmo que um governo militar, de acordo com a tese comtista, significasse o retrocesso da sociedade. Acredito que seja digno de nota o fato do Rio Grande do Sul ter sido, talvez, o maior adepto ao movimento, e Minas Gerais o menor.

Em meio as três propostas identifico que a fragmentação política é evidente. Em um país do tamanho territorial semelhante ao Brasil não permite que um corpo político apenas o governe. Por isso, as unidades federativas surgem como auxílio para a constituição da nação. No próprio Estado há outras fragmentações de mesma ordem, numa teia administrativa. No entanto, a utilização de uma democracia liberal em seus moldes clássicos, no qual à vontade da maioria, e a possibilidade da maioria de governar não se faz presente. O Brasil é comandado por oligarquias regionais, caudilhos, como Sylvio Romero (1912) afirma várias vezes em sua obra.

Consolida-se, então, a República liberal, com Campos Sales. Há um empenho em minimizar disputas internas em cada Estado, a fim de controlar a instabilidade política, que deveria ter sido sanada com a instauração do regime republicano, mas que não ocorreu. O presidente, então, lança a Política dos Governadores. Boris Fausto define os objetivos dessa política como, mais uma vez argumentado, a redução, ao máximo, das disputas políticas regionais de cada Estado, prestigiando os grupos mais fortes. Outra característica presente nessa prática é chegar a um acordo básico entre os poderes Executivo e Legislativo, “domesticando” a escolha dos deputados. O governo federal, assim, sustentaria os grupos dominantes de cada região, em troca, apoiaria, a política do presidente da República (FAUSTO: 2006, 258-259).

Com isso, procurei explanar em linhas gerais as três principais vertentes republicanas surgidas no Brasil com a transição do regime monárquico para o republicano nos finais do dezenove, tendo como linha de raciocínio subsidiária a obra de José Murilo de Carvalho, e inserindo outras obras clássicas ou não sobre o tema em questão. Na busca do paradigma republicano ideal, o liberal federalista se mostrou o vencedor, tendo certa influência do positivismo, e o jacobinismo ridicularizado. O liberalismo consolidado no governo de Campos Sales se mantém até o Estado Novo, quando uma nova lógica de organização política entra em voga, da qual não me coube aqui discutir.


Referências Bibliográficas

CARONE, Edgard. A República Velha: I instituições e classes sociais (1889-1930). Rio de Janeiro/São Paulo: Difel, 1978.

CARVALHO, José Murilo de. Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2006.

GOMES, Amanda Muzzi. “Jacobinos: abordagem conceitual e performática”. In: Revista Cantareira. Nº 13. Rio de Janeiro, 2008.

ROMERO, Sylvio. A bancarrora do Regimen Federativo no Brazil. Porto: Typ. A vapor de Arthur José de Souza & Irmão, Succ., 1912.

SALES, Alberto. A pátria paulista. Brasília: UnB, 1983.

SILVA, Hélio. 1889: A República não esperou o amanhecer. Porto Alegre: L&PM, 2005.


(Texto apresentado para a disciplina de Brasil III, ministrada pelo Prof. Dr. Ronaldo Pereira de Jesus - DEHIS/UFOP)

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