Rádio Reverberação

quarta-feira, 1 de julho de 2015

A polêmica PEC171/1993 - Redução da Maioridade Penal



O problema da redução da maioridade penal é muito mais complexo do que simplesmente comprarmos o argumento da ditadura em que a máxima do bandido bom é bandido morto. Reduzir a maioridade penal não diminui o crime. O Estado altamente violento, como é o Brasil, não assegura políticas de segurança pública capazes de coibir a criminalidade sem apelar para o rigor da punição. No discurso do deputado Ivan Valente na sessão da câmara na madrugada de ontem pra hoje durante os encaminhamentos para a votação ele disse algo, pra mim, emblemático, algo do tipo: Um Estado que não acolhe e não protege o cidadão não tem a capacidade de punir. Essa é a verdadeira questão, e está longe de passar por demagogia. Demagogia é o Nilson Leitão subir no parlatório, iniciar seu discurso pró-moralidade e dizer que a questão da PEC171 não é partidária e terminar dizendo que a culpa é do PT (chavão padrão), sem contar o papo de que “não gostaríamos de estar aqui votando a redução da maioridade penal, mas em nome da família brasileira voto sim!!” isso é demagogia. 

O deputado Eduardo Cunha colocou isso em pauta na Câmara por questões partidárias sim! O que não é saudável para o debate complexo como esse. A primeira derrubada da PEC171 deveria reabrir as discussões para a reforma do Estatuto da Criança e do Adolescente, repensar as formas de inclusão dos jovens e adolescentes nas escolas e centros educativos, prevenir que entrem na marginalidade a partir de medidas sócio-inclusivas. Os que são, porventura, recolhidos às casas de reabilitação devem passar por um processo mais moderno de re-inserção na sociedade. A Fundação Casa não pode ser um mini-presídio. Essa questão é outro problema. Há de se discutir o sistema carcerário, que é superlotado e o sistema judiciário não dá conta (pelo inchaço do código penal) de controlar sua comunidade carcerária. Encher de adolescente em presídios vai agravar ainda mais o problema. E depois que saírem da cadeia? Qual é o acompanhamento do Estado? Nenhum!! o Estado pune e abandona!! A sociedade o que faz? Simplesmente o que sempre fez... finge que não é com ela. A questão da criminalidade é um problema sério, complexo e constante, e que não pode ser debatido pela sociedade civil apenas quando lhe convém. É perigoso, também, usar da representatividade e deixar para um Congresso conservador, raivoso e vingativo decidir tal questão. Ontem na sessão da câmara isso ficou claro. O legislador não pode votar por mera subjetividade e paixão. A “Casa do Povo” deve servir ao povo, e o que os 303 que votaram “sim” ontem, certamente não estão. Reduzir não resolve. É necessário por em prática que se pede há anos... o Brasil precisa de uma reforma geral: política, educacional, penal, etc.

Cadeia não é exemplo... se fosse não teríamos 70% de reincidência. Como foi lembrado pela própria deputada Jandira Feghali ontem... não é votar contra a reclusão, mas repensar e adequar as formas de reclusão. Não sou contra em prender menor infrator, essa não é a questão real. Mas sou contra métodos arcaicos de punição. Nosso código penal é de 1941. Ele é falho com adulto e será desumano com adolescentes. Os centros reformatórios precisam ser um ambiente sócio-educativo e de re-inserção na sociedade. Não um centro de tortura e medo, que não tem interesse em "salvar" ninguém. O moleque é preso... cumpre pena em presídio... não tem nenhum acompanhamento... é solto (se for solto, porque há milhares de casos de presos que já cumpriram suas penas, mas que ainda se encontram encarcerados)... completamente desamparados pelo Estado e pela sociedade civil... o que acontece?? entra pra criminalidade novamente... de quem é a culpa? só dele?


Fala-se em cumprimento da justiça. Há uma tênue linha entre justiça e vingança. Justiça é talvez um dos princípios básicos de um estado democrático de direito. A justiça deve ser realizada em todos os âmbitos... justiça penal, social, e, porque não, intelectual. Ninguém em sã consciência ignora a dor das famílias que perdem seus entes queridos. Os debates ontem na câmara foram muito emocionados e inflamados. A deputada Keiko Ota inclusive estava vestindo uma camiseta de seu filho, assassinado em 1997 por dois adultos, sendo um policial (arauto da justiça) e defendia com “”lágrimas”” a redução da maioridade penal. Silas Freire ainda teve a coragem de minimizar (e quase desqualificar) a participação de um adulto em um estupro coletivo, no Piauí, porque havia a participação de dois menores, acusados pelo deputado de serem os mentores da ação e o adulto um “mero” cooptado. Critiquei a postura do deputado no Twitter e um de seus defensores me chamou de “PORCO PEDÓFILO”. A deputada Benedita da Silva, estuprada aos 7 anos sem qualquer direito de defesa, vítima também de uma sociedade injusta, defendia o contrário. 

Solidarizo-me sim com a dor das duas e de tantas outras vítimas por aí. Não há um desmerecimento em relação à dor das famílias, pelo contrário, não há humanidade ao virarmos as costas para essa realidade. O que não podemos ser ingênuos e desconsiderar que essas “comoções” são seletivas. Todos os dias casos de violência são registrados, e por quem vestimos camisetas brancas e saímos nas ruas pedindo paz? Certamente não é para todo mundo. Porque criança favelada quando é morta por policial, a primeira coisa que vem em nossa cabeça é: “se foi morto é porque era culpado”! Essas conclusões não podem ser feitas de maneira superficial. Concordo que nossos sistemas estão falidos, isso não há a menor sombra de dúvida. E é por isso a necessidade de uma reforma ampla e geral. Emendas constitucionais substitutivas... emendas aglutinativas que regridem os termos na constituição (e por isso são inconstitucionais) não devem ser, nesse caso grave e de interesse público generalizado, os meios últimos para a reforma. Estamos em meio a uma grande discussão sobre a PL6840/2013. Quais são os moldes para a escola e, principalmente, para o Ensino Médio. De que maneira os currículos devem ser reformulados, quais são os reais impactos da escola integral, como associais o espaço escolar com a vida social. Pensar uma nova escola e novos espaços de sociabilidade são as maneiras de se obter justiça. E isso tem que ser intimamente ligado a uma reforma do ECA e das medidas de reclusão de jovens infratores.

Encarcerando por vingança e se sensibilizar seletivamente pela dor de famílias que perdem pessoas que amam não resolve. Não há ironia na questão. Claro que essa ideia de que os jovens não podem ser presos e agem de forma criminosa alegando isso é revoltante. Compreendo esse tipo de indignação e não tiro o mérito disso. Não obstante, nossa ação civil não pode ser baseada nesse tipo de paixão. Em hipótese alguma desqualifico seus argumentos, eles são importantes para a promoção do debate, mas há muitos pontos que são oprimidos e que não podemos desprezar. Desculpe-me por essa postagem longa, confesso que não tenho muito mais para acrescentar, mas gostaria de deixar claro que não estou desprezando sentimento de ninguém. Eu como historiador e educador tenho um compromisso ético com a humanidade, e não me sentiria confortável convivendo comigo mesmo desprezando essa postura.

Desculpe-me se falei alguma besteira, mas é isso que eu penso hoje.